Chove de súbito.
Visto a camisa.
Fico de pé à janela. Fumo.
A cidade mergulha num silêncio infecundo.
Demoro-me no clarão sépia da minha sala de estar
Anónima na madrugada efervescente.
Sorrio perante a chuva incessante.
Perante a rua deserta. Perante isto
Que é já uma recordação vaga.
Sorrio e eis que aqui estou em silêncio.
Nostalgia antecipada de aqui ter estado.
Fumo estanque do cigarro
no cinzeiro nocturno.

Manhã cinza e o anonimato dos teus olhos sobre a manhã.
Medito no teu perfil em pousio.
Há um feixe de luz em silêncio
e o anonimato dos teus olhos sobre a cinza.
Não és nada rapariga, mulher.
Rua livre da minha correria premeditada.
Vulto do meu parecer cansado.
Grito da minha discórdia vincada.
Medito sobre o silêncio justo dos teus olhos em anonimato.
Tu, meu único grito de cansaço.
Tu, minha única alucinação
sem veredicto.
Fica por aqui, rapariga-mulher
da manhã cinza.

Aqui estamos.
Loucamente isentos.
Madrugada fora.
Tu.
Mulher seminua,
contadora de estrelas,
fumadora de luas.
Morrendo
sob a passagem branda da aurora
em fatais deslumbramentos.

Medito na chávena sobre a mesa.
A madrugada aberta flutua na meia-luz dispersa.
Há corvos no fundo da chávena.
E a meia-lua dança na minha janela.

De súbito caí nesta tristeza.
Ainda há pouco eu não era assim.
Quem me encontre
Não sabe onde me encontro.
Para onde foi a minha clareza
O instrumento do estar em mim.

Como que me desmonto em sensações.
As sensações não são ninguém.
E se for devanear,
Devaneio.

Durmo entre convulsões
De abraços sem vida.

O meu enleio:
Secura, fogo, clarões,
Corre na alma desmedida
Entre focos de gritos, encontrões,
Alma quebrada, ilusões.

Um timbre tinge
como estive em arte pesada.

Estive,
E isto sou eu,
Sou eu ou estou eu:

Esta vileza imaculada,
Perene tristeza
Em queda livre.

O Suposto


Na minha inteira
E louca lucidez
Levantei-me

Vi-me parecer

Nas palavras
E na escrita
Apedrejei-me
De sensatez


E soltei-o
Como não querer
Saber

Sabido do eu
Ou de não o ser


Palpei o rosto

A nitidez
Tomou lugar
Naquele pouco
Ou nada para ver

Estendi-me no solo sujo
Somente para ser louco

O dia cresceu um pouco mais
E mais des(gosto)
No menos limite

Dormi sem termo
Não era eu
Era um suposto
Não és nome da escrita que levo.
não és assunto, não és dor, não és pensamento,
não és passado, não és paixão, não és pasmo,
não és notícia, não és vazio, não és saudade (...)
Tu és Eu.
Um dia serás a minha Autobiografia.
Numa aguarela monótona
Densa de cor e paisagem 
A mulher branca atravessa a soleira da porta  
E o vento  
Pela manga larga do vestido verde
Acaricia-lhe os desamparados e frouxos seios
Despertando a dureza dos mamilos